Cruzeiro x Mushuc Runa: um time de indígenas para indígenas

O Mushuc Runa, do Equador e rival do Cruzeiro pela CONMEBOL Sul-Americana nesta quarta-feira (9) às 21h30, com transmissão ao vivo pelo Disney+, é um clube criado por indígenas para indígenas. Braço esportivo de uma das maiores cooperativas de crédito do Equador, o clube serve não só para divulgar a marca da empresa, mas também a cultura da numerosa comunidade de povos originários do país. Jogar em solo brasileiro pela primeira vez é também uma maneira de dar visibilidade internacional ao projeto. O objetivo é claro: valorizar toda uma população historicamente discriminada e mostrar ao continente do que ela é capaz.

O homem por trás disso tudo é o advogado Luis Alfonso Chango, que hoje é uma figura muito conhecida no Equador. É fácil identificá-lo: está sempre com seu poncho vermelho com listras azuis, igual ao que está no escudo do time. Esse poncho é a roupa tradicional das comunidades indígenas dos Andes. E ele faz questão de que seja sempre usada pelos jogadores do time. Nascido no final da década de 1960 na comunidade Chibuleo, próxima à cidade de Ambato (no centro do país), Chango trabalha desde os sete anos de idade e afirma com orgulho que aos oito já fazia negociações de crédito na comunidade.

Filho de um agricultor, ainda na infância ele viajava com o pai para vender alho em diversas cidades, assim aprendeu a negociar. Esperto, ouvia elogios dos clientes que sugeriram a seu pai que o colocasse num colégio. Esse era um tabu. Chango foi a primeira pessoa de sua comunidade a frequentar a escola. Sofria com o racismo dos colegas ‘hispanos’ e brigava muito para se fazer respeitar. No colégio, teve contato com os esportes. Afirma ter sido um velocista imbatível. Começou ali também a sua paixão pelo futebol. Mesmo baixinho (1,58m), era centroavante e se destacava justamente pela velocidade.

Casou-se aos 17 anos, por costume da comunidade indígena, e passou a trabalhar e estudar ainda mais. Se envolveu na política da cidade e ocupou uma série de cargos em instituições locais. Sempre seguiu os princípios de educação financeira, que considera fundamentais: não consumir mais do que precisa e guardar o máximo de dinheiro que puder. Assim, ele e a esposa juntaram uma pequena fortuna até que decidiram investir este dinheiro num negócio diferente, uma cooperativa de crédito.

Chango sabia da dificuldade que os indígenas tinham para conseguir empréstimos nas instituições financeiras tradicionais e era quase impossível para seu povo evoluir economicamente sem ajuda financeira. Ele sabia que havia muitos clientes em potencial. Lançou o negócio em 1997 e usou o dinheiro dos clientes ‘hispanos’ para abrir linhas de crédito aos indígenas, permitindo a seu povo uma nova vida. Daí o nome Mushuc Runa, que significa ‘Homem Novo’. A Cooperativa é um sucesso e hoje está presente em todo o país. Com isto, o investimento de Luis Alfonso Chango se multiplicou.

Em 2003, surgiu o Mushuc Runa FC, uma maneira de unir a paixão pelo futebol ao negócio. A ideia é ajudar a desenvolver economicamente a região criando postos de trabalho para diversas áreas profissionais. E ao mesmo tempo divulgar a cultura, a força e a potência dos povos indígenas. Incialmente, todos os jogadores tinham que pertencer a uma comunidade originária, mas isso foi mudando conforme o time foi crescendo. Nestas duas décadas, a agremiação deixou de disputar campeonatos regionais para alcançar as competições da CONMEBOL. Uma das metas já foi alcançada, e a outra é ser campeão equatoriano.

O clube já possui um Centro de Treinamentos com cinco campos e um pequeno estádio, que está inacabado. Chango é oposição à atual prefeita de Ambato e tem encontrado dificuldades para obter as licenças que as obras exigem. Não conseguiu ainda instalar refletores, por exemplo. Sua ideia é construir um estádio moderno, nos moldes de Estados Unidos e Europa, em até cinco anos.

Por enquanto, quer se mostrar aos brasileiros. E avisar que está surgindo uma nova força. Este encontro fazia parte dos planos. Antes do sorteio dos grupos, o presidente vitalício do Mushuc Runa já dizia “quero enfrentar um time do Brasil“. E o jogo com o Cruzeiro é apenas a primeira página deste novo capítulo da história de Luis Alfonso Chango, sua gente e o futebol sul-americano.

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