Presidente do STJD é direto sobre ‘caso Bruno Henrique’, do Flamengo

Em entrevista exclusiva à ESPN, o presidente do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), Luís Otávio Veríssimo Teixeira, falou sobre o caso de suposta manipulação de apostas envolvendo o atacante Bruno Henrique, do Flamengo.

O atleta foi indiciado pela Polícia Federal na investigação do cartão amarelo levado contra o Santos, em 2023, que foi considerado suspeito. Também estão envolvidos o irmão do jogador e mais pessoas.

Teixeira evitou se aprofundar no tema, já que a situação ainda está sendo apurada pelas autoridades. No entanto, ele ressaltou que o STJD já solicitou o acesso a todo o conteúdo da investigação da PF, devendo em breve receber o material para dar sequência ao tema na esfera esportiva.

“De alguma medida eu vou frustrar a expectativa em relação ao caso concreto do Bruno (Henrique), mas, seguramente, uma informação bastante relevante que a gente pode dividir com os colegas é que, nos casos de manipulação de resultados, que na natureza do fato é considerado no direito desportivo como corrupção no futebol, a mesma dificuldade que existe no crime de corrupção comum, também encontrada no meio do futebol”, iniciou.

“É um crime difícil de ser apurado. Até por isso é bastante natural que os efeitos esportivos venham após as diligências de apuração dos fatos pelas autoridades que tenham efetivamente instrumentos persecutórios, quebra de sigilo, busca e apreensão”, seguiu.

“Até por isso, das centenas de aletas que já ocorreram no Brasil por casos de manipulação, efetivamente 36 chegaram nesse último três anos a julgamento pelo STJD. E todos eles ligados a desdobramentos de atuação das autoridades”, lembrou.

“Nesse ponto é importante destacar o quando o Brasil se destaca positivamente, na atuação da Policia Federal e do Ministério Público. A celeridade que é dada esses casos de manipulação no futebol. A realidade, no âmbito do STJD, mostra que o enfrentamento desses casos é bem mais ágil na realidade brasileira”, exaltou.

“De fato concreto e específico, o que nós podemos declarar com bastante tranquilidade é que foram solicitados os documentos e o apurado pela Polícia Federal nas operações e até agora não recebemos, mas seguramente receberemos com brevidade. O caso é bastante recente e está bastante normal o tempo em relação ao tempo e o compartilhamento dos dados”, complementou.

Questionado se existe chance de Bruno Henrique ser suspenso de forma preventiva pelo STJD, o presidente do tribunal explicou qual é o protocolo para casos do tipo.

Vale lembrar que, em postagem em suas redes sociais, o atleta indiciou que participará normalmente do duelo contra o Juventude, nesta quarta-feira (16), pelo Brasileirão.

“Em relação ao rito nos casos de manipulação, quando a gente recebe um alerta de potencial caso de manipulação, esse alerta traz dados de agências e entidades que fazem a análise de mercado. Não consideram o fato desportivo. O protocolo no STJD nesses casos é o seguinte: chega o alerta, que é compartilhado com a Procuradoria do STJD. A Procuradoria uma análise desse alerta sobre o fato para ver se existe robustez de indícios para sugerir ou não a abertura de um inquérito. A depender do parecer, instaura-se ou não um inquérito”, disse Teixeira.

“Esse inquérito conclui no prazo legal se os fatos apurados vão para denúncia ou para arquivamento. É por isso que eu disse que há só 36 condenações das centenas de alertas que aconteceram nos últimos anos no âmbito do STJD. Em sendo considerado pela Procuradoria que os fatos estão relevantes para justificar a apresentação da denúncia, a Procuradoria apresenta a denúncia. Da parte dos provimentos do STJD, todas elas são por provocação. Não são automáticas. Assim como funciona na Justiça comum, a Justiça desportiva atua por provocação”, argumentou.

“No caso, em tese, de provimento preventivo ou cautelar, e aí fazendo um recorte muito bem definido de que não está se fazendo uma análise do caso que você levantou [Bruno Henrique], mas da natureza do provimento cautelar, é uma natureza de decisão que busca afastar uma situação atual, um risco de recorrência, e uma situação de natureza acautelatória”, acrescentou.

“Em casos de manipulação, eu não me recordo dessa natureza de provimento. Nos casos de manipulação geralmente não existe essa natureza de provimento. Entre o alerta, entre qualificar o alerta, existe um lapso temporal muito grande que não revela necessidade de adotar de fora cautelar uma medida”, finalizou.

Linha do tempo do caso Bruno Henrique

Data do jogo entre Santos e Flamengo, disputado em Brasília. Bruno Henrique toma um cartão amarelo aos 50 minutos do segundo tempo após falta em Soteldo. Ele reclama ostensivamente com o juiz e toma o segundo amarelo, acabando expulso do jogo. O Santos venceu a partida por 2 a 1 – placar que já estava estabelecido no momento dos cartões.

Conmebol encaminha à CBF um alerta emitido pela International Integrity Betting Association (IBIA) sobre suspeitas de irregularidades de apostas no cartão amarelo tomado por Bruno Henrique, do Flamengo, na partida contra o Santos, em 1º de novembro de 2023.

CBF encaminha ofício sobre o caso ao MP-RJ, ao STJD, à procuradoria-geral do STJD e Comissão de Ética do Futebol Brasileiro com o caso no dia 1º de agosto (após pedido da Unidade de Integridade do Futebol Brasileiro feito no dia 31 de julho)

Empresa Sportradar, contratada para avisar sobre suspeitas de apostas, informa à CBF que não encontrou irregularidades na partida, mas que iria reavaliar

Unidade de Integridade do Futebol Brasileiro recebe da Conmebol novo relatório da mesma Sportadar, agora levantando suspeitas de irregularidade na partida

Conmebol envia informações complementares da International Integrity Betting Association (IBIA) sobre as apostas feitas, incluindo valores

Ministério da Justiça autoriza Polícia Federal a seguir investigações. Quatro dias depois, PF encaminha o expediente à Polícia Judiciária

Polícia Judiciária entrega análise preliminar, contendo uma análise de Bruno Henrique, com informações financeiras e também de estatísticas de cartões. Documento pede acesso aos dados dos apostadores.

Polícia Federal pede dados dos apostadores às casas de apostas. Quatro dias depois, juntam-se aos autos os dados fornecidos pelas casas de apostas. PF pede nova análise à Polícia Judiciária

Polícia Judiciária entrega nova análise, agora traçando a ligação entre os apostadores. Esse documento agora pede um acompanhamento da troca de dados entre essas pessoas.

STJD arquiva a investigação preliminar que havia aberto quando notificado pela CBF (em 1º de agosto) alegando que “eventual lucro com as apostas seria ínfimo quando comparado ao salário mensal do atleta, bem como a ausência de informações que pudessem inferir alguma conexão entre apostadores e atletas”

Ministério Público pede que sejam feitas diligências para que as investigações continuem

É feita a operação para apreender celulares, computadores e documentos – incluindo aparelhos de Bruno Henrique

Defesa de Bruno Henrique pede arquivamento do caso pela primeira vez. Alega, entre outras coisas, que o caso já havia sido arquivado pelo STJD, que o lucro obtido não era expressivo e que Bruno teria condições financeiras de ajudar o irmão de outra forma. Diz também não conhecer os outros apostadores. Ministério Público nega o pedido no dia 13 de novembro, entendendo haver motivos para investigação

Seguem mais pedidos de arquivamento do caso e outras recusas judiciais. Há uma demora para a análise e publicação dos materiais colhidos dos itens apreendidos pela operação policial.

Dia em que Bruno Henrique deveria prestar depoimento virtual após intimação da Justiça. Defesa declara nesse mesmo dia que ele não poderia comparecer devido a compromissos profissionais com o Flamengo

Polícia Federal divulga despacho de 84 páginas com toda a investigação e indicia Bruno Henrique e outros envolvidos no caso

As conversas entre os envolvidos

O conteúdo extraído do celular de Bruno Henrique aponta lacunas na investigação. Segundo o relatório da Polícia Federal, parte das mensagens teriam sido apagadas. Mas as trocas armazenadas no celular do irmão dele, Wander Nunes Pinto Júnior, estavam intactas.

A primeira conversa apresentada no inquérito é de 29 de agosto de 2023:

– Wander: “O tio você está com 2 cartão no brasileiro?”
– Bruno Henrique: “Sim”
– Wander: “Quando (o) pessoal mandar tomar o 3 liga nós hein kkkk”
– Bruno Henrique: “Contra o Santos”
– Wander: “Daqui quantas semanas?”
– Bruno Henrique: “Olha aí no Google”
– Wander: “29 de outubro”; “Será que você vai aguentar ficar até lá sem cartão kkkkkk”
– Bruno Henrique: “Não vou reclamar”; “Só se eu entrar forte em alguém”
– Wander: “Boua já vou guardar o dinheiro investimento com sucesso”

Em 31 de outubro, um dia antes da partida contra o Santos, Bruno Henrique pergunta ao irmão:

“Aí, lembra a parada que você me perguntou uns tempos atrás”.

Logo em seguida, eles se falam por uma ligação.

No dia 9 de dezembro, Wander manda uma longa mensagem à Bruno Henrique pedindo um empréstimo de dinheiro para pagar pensão e as contas do cartão de crédito. Pouco depois, diz:

“Pra você ter ideia sabe a parada que você me deu ideia do Santos até hoje eles não pagou (SIC). Coloquei 3 pra ganhar 12 e eles bloquearam por suspeita”.

Bruno Henrique pergunta sobre o que o irmão estava falando, e Wander explica:

“No dia que você me deu ideia do cartão, eu apostei 3 mil pra ganhar 12 mil. Só que até hoje eles não pagou, eles colocou a aposta sobre análise, e o dinheiro está todo preso lá 12 mil (SIC)”.

Em 1º de novembro de 2023, durante a partida entre Santos e Flamengo, há uma conversa entre o irmão de Bruno Henrique, Wander, e Claudinei Vitor Mosquete Bassan, que também tem apostas suspeitas relacionadas ao seu nome.

– Claudinei: “Que juiz desgraçado”
– Wander: “Já era pra ter dado e tá nessa p*** aí”
– Claudinei: “Deve tomar agora”

Poucas horas depois da partida, os dois estão preocupados que a casa de apostas Betano ainda não pagou o valor devido.

– Wander: “Da betano já caiu aí?”
– Claudinei: “Nada Viado”
– Wander: “Também não. Achando estranho”.

Depois, os dois conversam sobre o cartão de Bruno Henrique:

– Claudinei: “Finalzinho Viado. Tá doido”
– Wander: “Barbada salvou”
– Claudinei: “Salvou demais”
– Wander: “Tmj (Tamo junto!”)
– Claudinei: “Agradece o Soteldo também kkk (risos)”

O relatório da Polícia Federal inclui muitas outras conversas. Há trocas de mensagens entre suspeitos para que se criem contas e se façam novas apostas no cartão amarelo de Bruno Henrique. Muitos ficam surpresos quando essa opção é retirada pelas casas de apostas – uma praxe quando há um volume alto e inesperado em um tipo de aposta.

Há ainda a reclamação entre eles pelo fato de um site de apostas não pagar o dinheiro que esperavam receber. Um ano depois do jogo, no dia 1º de novembro de 2024, Claudinei e o irmão, Henrique Mosquete do Nascimento, também investigado no caso, conversam e dizem que a casa de apostas alega que a CBF está investigando o caso:

– Claudinei: “Meu colega chamou eles no chat aqui e falou assim que…Ah agora é a CBF que vai…é a CBF que agora que vai… investigar”
– Henrique: “Eu vou entrar em contato com eles aqui, vou ver o que eles vão falar. Porque é sacanagem, já esperamos 12 meses, e agora é a CBF. Espera aí que eu vou olhar com eles aqui.”
– Henrique: “Mas falaram para o seu amigo o prazo agora de novo, tem que esperar mais 12 meses, um mês? Agora tem que esperar quanto tempo será?
– Claudinei: “Ah, sei lá. Não falo nada não. Só falou assim… que a aposta agora vai ser investigada agora pela CBN (CBF)”.

Quem são os envolvidos no caso?

Além de Bruno Henrique, são nove apostadores indiciados no caso.

Há dois núcleos de apostadores separados nas investigações. O primeiro é composto pelos familiares de Bruno Henrique: o irmão Wander Nunes Pinto Júnior, a cunhada Ludymilla Arújo Lima, e a prima Poliana Ester Nunes Cardoso.

O segundo núcleo tem quatro pessoas que se conhecem e têm amizades no Instagram: Claudinei Vitor Mosquete Bassan, Douglas Ribeiro Pina Barcelos, Max Evangelista Amorim e Andryl Sales Nascimento dos Reis.

Além deles, estão indiciados dois familiares de Claudinei: o irmão Henrique Mosquete do Nascimento e a esposa Rafaela Cristina Elias Bassan.

O inquérito mostra que Wander conversava ao menos com Claudinei sobre as apostas – o que liga os dois núcleos do caso.

O lucro com as apostas

Curiosamente, o lucro com as apostas foi muito baixo – o que levou o STJD até a desconsiderar a denúncia no começo, dizendo que o valor era ínfimo.

O processo apresenta 14 apostas feitas pelos nove apostadores indiciados. No total, foram R$ 5.642,58 apostados em três casas diferentes, com retorno de R$ 17.007,01 – um lucro de R$ 11.364,43.

A troca de mensagens entre os suspeitos sugere que há ainda uma quarta casa de apostas, que acaba inserida já no laudo final da Polícia Federal. Os valores dela ainda não haviam sido levantados nos autos

O que pode acontecer com Bruno Henrique e os envolvidos?

O relatório da Polícia Federal será avaliado agora pelo Ministério Público, que decidirá se fará a denúncia contra os suspeitos ou não.

Bruno Henrique e o irmão, Wander, foram indiciados duas vezes:

– A primeira no artigo 200 da Lei Geral do Esporte, por fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado. A pena prevista é de dois a seis anos de reclusão e multa.

– A segunda no artigo 171 do Código Penal, que é de e estelionato. A pena é de um a cinco anos de prisão e multa.

Os outros oito envolvidos no caso foram indiciados apenas no artigo 171 do Código Penal, de estelionato.

O que diz Bruno Henrique e o Flamengo?

Bruno Henrique foi procurado pela reportagem por meio de sua assessoria, que preferiu não se manifestar. Já o Flamengo soltou a seguinte nota oficial:

“O Flamengo não foi comunicado oficialmente por qualquer autoridade pública acerca dos fatos que vêm sendo noticiados pela imprensa sobre o atleta Bruno Henrique. O Clube tem compromisso com o cumprimento das regras de fair play desportivo, mas defende, por igual, a aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência e o devido processo legal, com ênfase no contraditório e na ampla defesa, valores que sustentam o estado democrático de direito.”

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