Os bastidores da troca de Doncic dos Mavs para os Lakers

Nesta sexta-feira (25), o Los Angeles Lakers entra em quadra para o Jogo 3 da primeira rodada dos playoffs da NBA contra o Minnesota Timberwolves. A partida que desempatará a série, que hoje está em 1 a 1, acontece às 22h30 (de Brasília), com transmissão ao vivo do Disney+.

Melhor jogador da franquia da Califórnia nos dois primeiros jogos, Luka Doncic é a principal esperança para que os Lakers desempatem a disputa e reassumam o mando de quadra. Mas como foi todo o processo que levou o armador para Los Angeles? A ESPN conta abaixo os detalhes da transferência que chocou o mundo do basquete meses atrás.

O início do fim

Diretores e alguns membros do Dallas Mavericks, do presente e do passado, entraram no avião ao lado das pessoas mais próximas de Dirk Nowitzki. O voo, em agosto de 2023, tinha destino a Springfield, Massachussets, para celebrar a indicação da figura mais lendária da franquia no Hall da Fama do Basquete.

Nico Harrison, general manager dos Mavs, estava na viagem. Ele não era muito próximo de Nowitzki, mas a relação dos dois durava mais de duas décadas, desde quando Harrison começou sua carreira na Nike como representante local de NBA em Dallas.

Casey Smith, diretor de saúde e performance dos Mavs, também estava na viagem. Nowitzki já falou diversas vezes que chegou aos 21 anos na liga por causa de Smith, que é um de seus melhores amigos.

Mais diversos outros nomes grandes da franquia estiveram presentes naquele dia e dizem não se lembrar de nada diferente. Mas o que aconteceu a seguir desencadeou uma série de decisões nos bastidores que tiveram ramificações gigantes para os Mavs durante essa chocante, drasticamente decepcionante e cheia de lesões temporada de Dallas.

Entrevistas com mais de uma dúzia de fontes dentro dos times e da liga revelaram que, apesar de só ter terminado oficialmente em 2 de fevereiro, a era Luka Doncic em Dallas começou a desintegrar, juntamente com a cultura da franquia, 18 meses antes. No verão anterior ao armador levar os Mavs às Finais da NBA.

Dias depois de retornar para Dallas da cerimônia de Dirk, Harrison informou a Smith que eles precisavam se reunir. O médico respondeu que não seria possível se encontrar pessoalmente – ele estava em Ohio, na sua cidade natal, para cuidar da mãe que estava nos últimos dias de vida. Nico, então, fez a reunião virtualmente.

Smith foi informado que os Mavericks não precisariam mais de seus serviços após quase duas décadas trabalhando na franquia.

“Ele estava 100% se sentindo ameaçado por Smith”, revelou uma fonte da franquia à ESPN, se referindo ao medo de Harrison que a voz de Smith carregava muito peso na franquia. “Ele queria mostrar que estava no comando e ninguém ia questionar isso”.

Foi um primeiro movimento chocante da limpa que Harrison fez no departamento de saúde e performance dos Mavericks. Em junho, foram mandados embora o diretor de performance Jeremy Holsopple e o terapeuta Casey Spangler, dias depois da equipe chegar às Finais.

Na última semana, Nico participou de um encontro com jornalistas selecionados de Dallas e foi perguntado sobre a demissão de Casey Smith, a qual respondeu de maneira ríspida.

“Você falar de Casey é quase uma piada. Ano passado, ele não estava aqui e fomos para as Finais. Ninguém falou dele. Então falar dele agora não faz sentido. Ele saiu faz dois anos. Então… nem vou comentar”.

Fontes disseram à ESPN que a relação gelada entre a equipe de Luka Doncic e a nova equipe de Nico foi um dos fatores que levou o general manager a fazer a chocante troca com os Lakers por Anthony Davis em fevereiro.

Smith, Holsopple e Spangler eram funcionários de muito tempo dos Mavs e que ajudaram Doncic, um esloveno que passou a adolescência na Espanha, a se adaptar a uma mudança cultura gigantesca. Eles se transformaram em pessoas de confiança de Luka, mas Harrison os via como “facilitadores” de Doncic, ainda que eles fossem muito respeitados por todo o elenco e pelos seus semelhantes ao redor da liga.

O trabalho das novas contratações de Harrison – o diretor de saúde e performance de jogadores Johann Bilsborough e o diretor de performance atlética Keith Belton – tem sido problemático, segundo fontes disseram à ESPN. Na reta final da temporada, os Mavericks chegaram a jogar com o mínimo de jogadores exigidos pela liga (8) enquanto brigavam pela última vaga no play-in, devido ao número de lesões.

A decisão de Harrison e a maneira que a demissão de Smith foi conduzida também afastaram Nowitzki da franquia. Fontes descreveram que o maior nome da história dos Mavs, que agora se intitula apenas um torcedor, optou por não estar mais envolvido no dia a dia de Dallas. Na era de Mark Cuban, Dirk serviu como conselheiro, frequentemente participando de treinos e dando suas opiniões sobre o futuro da franquia.

Fontes disseram à ESPN que a saída de Smith também desencadeou a saída do vice-presidente de comunicações Scott Tomlin, outro funcionário de duas décadas da franquia e que era muito próximo de Smith, Nowitzki e Doncic.

Desde o início de fevereiro, Nowitzki e Tomlin estiveram presentes apenas em duas partidas da NBA: a estreia de Doncic nos Lakers em 10 de fevereiro e o retorno dele à Dallas em 9 de abril.

“Durante o último ano, você podia já ver que o time estava indo em uma direção diferente”, disse Nowitzki, que recusou o convite de uma entrevista da ESPN, em alemão durante uma participação em podcast recentemente. “Agora estamos vendo os resultados”.

“Um problema muito maior”

Dereck Lively II, um pivô de 21 anos que os Mavs projetam ser o titular por muitos anos, estava listado como questionável em 20 de janeiro por conta de uma torção no tornozelo direito que o tirou dos dois jogos anteriores.

Ele ficou fora daquela partida e o plano era que ele retornasse dois dias depois, contra o Minnesota Timberwolves, em Dallas. Mas Bilsborough tinha suas preocupações e mandou Lively fazer uma ressonância, que apontou uma fratura por stress que deixou o pivô afastado por dois meses e meio.

“Alguém deveria ter sido demitido por isso”, disse uma fonte à ESPN. “É um sintoma de um problema muito maior”, disseram outras várias.

De acordo com mais de dez fontes da franquia, a situação levou a uma barulhenta e quente discussão entre Bilsborough e Belton que começou na sala dos treinadores e foi até a academia. Harrison não respondeu uma pergunta sobre o incidente – ou várias outras sobre o departamento de saúde e performance – feitas pela ESPN esta semana. Os Mavs também não disponibilizaram Bilsborough ou Belton para entrevistas.

“Eles não trocaram socos, mas estavam caminhando para isso”, disse uma das várias fontes que tiveram acesso às imagens de segurança. “Isso vinha de muito tempo já”, completou outra.

A panela estava fervendo há meses. Harrison criou a dinâmica desconfortável ao contratar Belton antes de Bilsborough, ainda que Bilsborough seja o chefe de departamento.

Bilsborough não respeita as opiniões de Belton, segundo fontes.

“Ele é um líder de torcida glorificado”, disse uma fonte da franquia. “Mas o Nico claramente queria energia de líder de torcida”.

Segundo a base de dados da Associação Nacional de Preparadores Físicos, Belton não tem nenhuma das certificações necessárias para ser preparador físico na NBA, de acordo com o artigo XXII do acordo coletivo da liga.

Alguns dos críticos de Belton o descrevem mais como “um personal trainer do que o engenheiro corporal que é o padrão do preparador moderno na NBA”.

“Johann tem as mãos atadas nesse departamento”, disse uma fonte. “Belton está em um cargo fundamental que é de treinar os jogadores e manter a filosofia deles alinhada – e Belton não faz nada disso”.

“Ele não mostrou o menor respeito por Johann o ano inteiro. Nenhuma colaboração. Ele vai de fazer tudo sozinho ou fazer qualquer m.. só para provar um ponto para Johann. É terrível”, finalizou.

Belton é um ex-fullback da NFL, enquanto Bilsborough é um cientista do esporte australiano que também teve passagem pelo futebol americano – foram cinco temporadas como diretor de performance do New England Patriots. Antes de chegar aos Mavs, Johann também esteve no Boston Celtics entre 2017 e 2020.

Uma fonte de Boston descreve Bilsborough como alguém “extremamente inteligente academicamente falando”, mas também alguém que “tende a ser diviso quando discorda de alguém”.

A fonte também cita que o departamento de Boston era uma “guerra fria” por conta do comportamento de Johann, o que o levou a durar apenas três anos na franquia.

Bilsbourough teve muita dificuldade para estabelecer uma relação com Luka Doncic e sua equipe. Segundo fontes, ele nunca conseguiu o respeito ou a confiança do armador.

Não foi coincidência que o New York Knicks de Jalen Brunson contratou Smith assim que ele foi mandado embora dos Mavs. Desde que Smith assumiu, o número de jogos perdidos por lesão de jogadores dos Knicks caiu drasticamente.

Semanas depois de deixar os Mavs em 2022, Brunson falou sobre como sentiria falta de Smith e sua equipe.

“As pessoas não entendem a importância e a diferença que esses caras fazem na sua vida no dia a dia. Eles são realmente especiais. Fica mais difícil deixar os Mavs deixando eles também. Não é só o trabalho, eles sabem como cuidar das pessoas”, disse o armador em entrevista ao Old Man and The Three, podcast então apresentado pelo atual técnico dos Lakers JJ Redick.

As fontes se dividem em relação a Bilsborough, com alguns defendendo e outros questionando seu trabalho. Nico Harrison saiu em defesa do seu departamento médico. Mas em diversas ocasiões os jogadores dos Mavs agravaram ou tiveram novas lesões relacionadas à anterior logo em sua volta aos jogos.

Um dos principais exemplos é o de Anthony Davis. Com Harrison pressionado após a troca de Doncic, o ala-pivô teve sua volta acelerada, como ele mesmo relatou depois, de uma lesão no adutor da coxa esquerda.

Logo em sua estreia, voltou a lesionar a região mesmo tendo sido liberado para jogar por Bilsborough e seu departamento.

Tensão fora das quadras

Meses antes da demissão de Smith, Doncic havia contratado o fisioterapeuta do Real Madrid Javier Barrio Calvo e o preparador físico da seleção eslovena Anze Macek – ambos de confiança de Luka – para trabalhar com ele após sua lesão no quadríceps na temporada 2022/2023.

Doncic e sua equipe tinham como visão seu staff trabalhando perfeitamente com Smith, que anualmente visitava a Eslovênia e também assistiu a diversos jogos de Doncic por sua seleção. Com a demissão de Smith, Holsopple passou a ser o ponto de convergência da relação.

Doncic considerou o primeiro ano do acordo com o departamento médico dos Mavs um sucesso. Ele liderou a liga em pontos com 33,9 por jogo, além de ter 9,2 rebotes e 9,8 assistências na temporada regular – e ter levado o time às Finais.

“Você não performa desse jeito se for um porco gordo e bêbado”, reclamou um amigo de Doncic em relação ao jeito que os Mavs trataram a estrela após a troca.

Apesar da produção histórica, Harrison estava preocupado que Doncic ainda tinha ganho peso enquanto carregava a maior parte da produção da equipe. A tensão aumentou entre o GM e o camp de Luka.

Fontes disseram que Mark Cuban, que sempre teve como prioridade a felicidade de Doncic quando era dono da equipe e o draftou em 2018, se ofereceu para tentar ajudar a relação. Mas Harrison afastou Cuban totalmente das operações de basquete e não queria ceder terreno.

Não ajudou o fato de Doncic ter trombado com um colega durante um treino e machucado a coxa. O que era inicialmente previsto como apenas uma pancada, se transformou em uma lesão de grau 1 após exames, segundo fontes, algo que o Mavs não mencionou no injury report.

Doncic ficou fora da pré-temporada e ganhou cinco quilos enquanto estava parado, o que enfureceu Nico Harrison e companhia.

Em 20 de novembro, Doncic foi diagnosticado com uma torção no pulso direito que o tirou de cinco jogos. Fontes disseram que Nico e o departamento médico dos Mavs acreditava ser uma “cortina de fumaça para permitir que Doncic ficasse afastado para emagrecer”.

Barrio Calvo e Bilsborough se comunicavam regularmente, mas frequentemente discordavam, de acordo com fontes. As reuniões que envolviam todo o staff de Doncic, Harrison e Bilsborough eram tensas. Luka nunca trabalhou com Belton.

A tensão explodiu quando Doncic teve outra lesão na coxa – a quarta em 28 meses – no Natal. A equipe de Luka acreditava que ele havia voltado cedo demais de uma lesão no pé que ele sofreu em 15 de dezembro e estava jogando na ponta do pé para evitar o desconforto. Harrison culpou a falta de condicionamento.

Os lados também discordavam em relação ao tempo de recuperação. O departamento médico dos Mavs acreditava que Luka deveria voltar em duas ou três semanas, enquanto os médicos particulares de Doncic falavam em seis semanas de recuperação. O armador venceu a batalha e voltou apenas em oito de fevereiro.

Quando Doncic recusou o convite de Harrison de se juntar a equipe em uma viagem para cinco jogos fora de casa perto de seu retorno, as tensões aumentaram outra vez. Segundo fontes, Harrison acreditava que “Doncic estava fazendo o time de refém”.

A briga seguiu e a vez seguinte que o staff de Doncic ouviu de Harrison foi para ele dividir a notícia de que a troca que ele negociou em segredo por semanas com os Lakers havia sido finalizada.

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