Jogar em um dos maiores clubes do mundo não é tarefa fácil – até mesmo para os mais experientes. Ex-volante da seleção brasileira, por quem disputou as Copas do Mundo de 1998 e 2006, Emerson jogou apenas uma temporada no Real Madrid, mas o aprendizado foi grande.
Na semana do El Clásico decisivo entre Barcelona e Real Madrid em LALIGA, no domingo (11), com transmissão ao vivo no Disney+, a partir das 11h15 (de Brasília), o ex-jogador lembrou à ESPN da sua passagem pelo Santiago Bernabéu, entre 2006 e 2007, e da pressão que enfrentou na época, sobretudo da torcida.
Apesar de um elenco estrelado com Roberto Carlos, David Beckham, Van Nistelrooy e até Ronaldo “Fenômeno”, o clube merengue vinha em um período de “vacas magras” na época em que Emerson chegou, enquanto o Barcelona, com Ronaldinho e companhia, empilhava os principais títulos, incluindo a Champions League.
Com isso, a pressão dos torcedores, que já era grande devido à grandeza do Real, ficou ainda maior. Segundo Emerson, até mesmo as vitórias não satisfaziam nas arquibancadas. E o brasileiro, vindo da Juventus, ao lado do técnico Fabio Capello e do zagueiro Cannavaro, levou um “choque”.
“Naquele ano teve uma mudança também na presidência (do Real), o clube estava passando por uma reformulação, em que o Fabio Capello foi designado para quebrar essa invencibilidade do Barcelona. Ele acabou contratando alguns jogadores pontuais, o Real Madrid já tinha um bom elenco, jogadores espetaculares, mas ele, até pela forma que o Capello sempre jogou, precisava de alguns jogadores, com um perfil daquele time que ele gostava de colocar em campo. Aí foram as contratações do Cannavaro, Van Nistelrooy, a minha, que fizeram com que ele também pensasse já em um time que ele estava acostumado em colocar em campo”, lembrou.
“Com toda a experiência que eu já tinha, de seleção brasileira, de Copa do Mundo, não foi fácil no início. Eu aprendi muito o que é jogar no Real Madrid, nos primeiros seis meses eu tive muitas dificuldades em adaptação. O Capello foca muito na parte defensiva, sempre tem times muito fortes defensivos e que não fazem tantos gols. E no Real Madrid é completamente tudo diferente, lá a torcida quer ver gol, goleada, não fica satisfeita às vezes mesmo o time ganhando, 1 a 0, 2 a 0, parece que não convence”.
Mesmo em meio a esse turbilhão de pressão, o elenco do Real Madrid conseguiu o que poderia ser considerado até mesmo “impossível” e superou o Barcelona, conquistando o título de LALIGA na temporada 2006/07 com os mesmos 76 pontos do rival. Também levou a melhor no confronto direto, já que venceu o clássico em casa, ainda no primeiro turno.
“Era muito difícil a nossa missão. Às vezes não é nem o fato de o Real Madrid não estar tão bem, é o fato de o rival estar ganhando tudo. Isso mexe muito com o torcedor, tem uma rivalidade muito grande, o torcedor estava muito impaciente com os últimos acontecimentos, o Real Madrid não chegando em nada, o Barcelona ganhando tudo. A torcida não tinha mais paciência, a verdade era essa. Então era importante ter jogadores com essa experiência, que já estavam acostumados com esse tipo de pressão para poder superar isso”, disse.
“Eu não tinha feito parte desses anos anteriores, a gente fica meio assim ‘eu não tenho culpa do que aconteceu no verão passado’ (risos). Existia muita pressão mesmo do torcedor, não era o fato de ganhar o jogo, mas sim de jogar bem, para criar aquela expectativa e sensação de que daria para ganhar um título. Conseguimos isso no decorrer da competição, não foi uma coisa imediata. A nossa trajetória até chegar ao título do Campeonato Espanhol foi bem difícil. Acho que foi o clube que eu tive mais pressão dentro de campo e de resultado”, prosseguiu.
“Muda completamente quando você tem uma vitória sobre o Barcelona, muda tudo. O ambiente no vestiário, todo mundo mais feliz, mais contente, é uma vitória importante, uma passo muito grande. Ganhamos o jogo, o ambiente mudou completamente e acredito que ali foi a nossa caminhada para o título, mesmo depois o Barcelona ficando à frente, lembro que até as últimas rodadas Barcelona ainda estava na frente do Real Madrid, e foi onde conseguimos uma virada muito importante, ganhando o título”.
Emerson lembrou de duas passagens nos bastidores com Capello que foram fundamentais para a virada de chave merengue naquela temporada.
“Nos primeiros meses eu realmente não estava bem, não estava sendo o Emerson que estava com o Capello na Juventus, Roma, e isso gerou até uma desconfiança de uma parte da torcida, do tipo ‘contrataram esse cara para resolver o meio-campo’. O Real Madrid jogava sempre muito para frente, precisava sempre de um jogador mais defensivo, e eu realmente não estava conseguindo ter aquelas apresentações que tinha nos outros clubes. Eu sempre chegava muito cedo para treinar, estava sozinho fazendo reforço muscular, e o Capello, que já me conhecia há muito tempo, chegou para mim e falou ‘quando é que vai chegar o Emerson que eu conheço?’. Isso é pior do que o treinador xingar o jogador. Quando ele falou isso para mim, aquilo ali realmente me fez repensar muito ‘o que eu estou fazendo? Ele me contratou para solucionar algo que ele precisava, e não estou fazendo o que posso fazer'”, revelou.
“Eu falo por mim, começou aquele dia. Teve um jogo também em casa que estávamos perdendo no primeiro tempo, se não me engano por 3 a 0 ou 3 a 1, contra o Espanyol, chegamos no vestiário, o Capello não esboçou nenhum tipo de reação. Na hora da saída para o campo, ele falou ‘esse não é o time que eu estou treinando, que eu conheço’. Como assim o treinador conseguiu mudar um time só com essa frase? Sim. Nós voltamos e viramos aquele jogo. Foi a primeira vez que eu ouvi todo o Bernabéu todo em pé, os torcedores com os paninhos brancos, acenando para o time pela reação que o time teve”.
‘Me deslumbrei um pouco’
A passagem de Emerson pela Espanha durou apenas uma temporada e, logo em seguida, o jogador foi “recrutado” por Carlo Ancelotti, que estava no Milan. E o brasileiro admitiu que, mesmo já experiente, se deslumbrou com a chegada ao Bernabéu.
“O Real Madrid encanta, aquela coisa de jogar no Real Madrid. É considerado por muitos o maior clube do mundo, e quando eu tive essa possibilidade, eu tinha mais três anos de contrato na Juventus, mas com toda aquela situação, falei ‘vou para o Real Madrid’. Todo jogador tem esse entusiasmo e parece que se cria um status de estar lá. Mas quando você está lá, também tem as responsabilidades de estar no Real Madrid. No início eu me deslumbrei um pouco. Depois eu entendi que tinham aumentado as minhas responsabilidades e que eu tinha que fazer por estar lá. O Real Madrid para mim foi um aprendizado muito grande. É um time com muitas estrelas, já havia participado até mesmo na seleção brasileira, mas era um pouco diferente a questão do ambiente, na Juventus e no Milan também. É diferente jogar no Real Madrid, e com isso vêm outras responsabilidades, e talvez eu não estivesse entendendo nos primeiros meses o que seria isso”.
“Eu tive uma situação com ele (Ancelotti) quando eu estava no Milan. Eu fui contratado pelo Real Madrid, fizemos um torneio de pré-temporada e acabamos encontrando o Milan o mesmo lugar, onde eu estava conversando com ele (Ancelotti), Dida, Cafu, todos no mesmo hotel. Ele me perguntou como eu estava no Real Madrid, eu falei ‘passei por um momento difícil, mas as coisas melhoraram’, eu tinha mais dois, três anos de contrato na época, e ele perguntou ‘não gostaria de voltar para a Itália?’. ‘Poxa, professor, se o senhor me levar, né…’, e ele falou ‘eu vou pedir a sua contratação, estou precisando de um outro cara para estar no meio-campo junto do Pirlo, Gattuso, vou pedir a sua contratação'”, lembrou Emerson sobre a conversa que teve com Ancelotti antes da mudança para o Milan.
“Quando eu cheguei no Milan, eu tive uma lesão na tíbia que realmente me impediu de estar lá 100% nos primeiros meses, e ele me apoiou muito. Teve um jogo que ele teve que me tirar no primeiro tempo, eu lembro de estar até na maca e pedir desculpas para ele. Ele me deu um abraço e falou ‘fica bem tranquilo, cuida dessa perna, quando você estiver bem eu vou estar te esperando’. O Ancelotti é esse tipo de cara, é um cara que entende o jogador, ele sabe com quem está tratando. Isso é muito importante para o jogador. Esse momento para mim foi que eu entendi ‘estou trabalhando com um cara espetacular, não é só um treinador espetacular, é um ser humano espetacular’. Naquele momento ele entendeu a minha dor de não estar contribuindo por uma lesão, e o cara chega, em um momento complicado que o Milan estava, não estávamos tão bem no campeonato, e ele fala ‘fica tranquilo, se recupera, quando estiver 100% volta que eu vou precisar de você’. São detalhes”.
‘Jogo para parar na frente da TV e assistir’
Emerson ainda lembrou a única experiência que teve no El Clásico, vencendo o Barcelona por 2 a 0, no Bernabéu, com gols de Raúl e Van Nistelrooy, e também dos duelos contra Ronaldinho, seu velho conhecido na seleção brasileira, e Lionel Messi, que ainda surgia como uma promessa nos gramados, mas já dava trabalho.
“Barcelona x Real Madrid é diferente porque a gente sabe que na Espanha, com todo respeito ao Atlético de Madrid, todo ano a gente vê ‘quem vai ganhar esse ano: Barcelona ou Real Madrid?’. É diferente do Inglês, do Italiano, que quatro, cinco equipes têm a possibilidade de ganharem o título. Ali a gente sabe que fica muito em cima dessas duas equipes, por isso esse clássico é muito importante para o decorrer da competição, com o ambiente. Ganhar um clássico como esse você está dizendo ‘já dei o recado que eu posso ter mais chances de ser campeão’. Isso que pensávamos na época”, disse.
“São duas equipes que até como clube pensam de uma forma completamente diferente. O Barcelona contrata alguns jogadores, mas pensa muito nos jovens, jogadores que são formados no clube, o Barcelona tem um outro tipo de mentalidade. O Real Madrid já contrata aqueles que estão se destacando no mundo. São dois clubes que pensam de formas diferentes, mas que sempre formam times muito fortes. É muito bonito de ver a forma como o Real Madrid joga, completamente diferente do Barcelona, mas que quando se enfrentam saem sempre bons jogos, muitos gols. É sempre um jogo para a gente parar na frente da TV e assistir”.
“Já não era fácil (marcar) o Ronaldinho, não poderia dar o mínimo de espaço para ele. Tinha também o Messi começando, novo, mas já com toda aquela qualidade dele. Era um momento de concentração muito grande, que não só eu, mas o (Mahamadou) Diarra, nós conversávamos muito mesmo dentro de campo, para que a gente acertasse a marcação, que não era fácil. O próprio Messi, por exemplo, mesmo novo já tinha aqueles toques curtinhos, muito difícil tirar dele a bola, parece que a bola cola no pé. Quando o meio-campo está consistente, o meio-campo de marcação consegue fazer a sua função, principalmente contra jogadores dessa qualidade, desse nível, isso facilita para a defesa, para o todo. Conseguimos fazer um excelente jogo nesse dia, o Ronaldinho jogou bem, o Barcelona teve chances, o Messi também se movimentando muito. Mas nesse dia conseguimos neutralizar essas principais jogadas”.
‘Em alguns momentos o jogo falta um pouco de experiência’
O ex-meio-campo do Real Madrid também falou sobre o atual momento do clube, que, hoje, ainda briga apenas pelo título de LALIGA na temporada, após o vice para o Barcelona na Copa do Rei e a queda para o Arsenal na Champions League. E para Emerson, tudo também passa por Luka Modric, hoje um jogador mais experiente e perto da aposentadoria.
Emerson ainda comentou sobre uma possível saída de Ancelotti, que, inclusive, está na mira da seleção brasileira, e acredita que os merengues vão conseguir andar com as próprias pernas mesmo se o italiano deixar o cargo depois de tantos anos.
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Emerson diz que é preciso aprender com Ancelotti no Real Madrid e motivo para momento ruim do clube: ‘Falta um pouco de experiência…’
Ex-jogador concedeu entrevista exclusiva à ESPN
“O Ancelotti é um cara que a gente precisa aprender muito com ele. Ficar tanto tempo em um clube como o Real Madrid, com a exigência que tem, não é fácil um treinador suportar toda essa pressão de vitória o tempo inteiro, e o Ancelotti está demonstrando muita capacidade, coisa que poucos treinadores conseguiram. O próprio Capello quando ganhou o campeonato na minha época, ele não ficou, ele acabou saindo do Real Madrid. A gente tem que tirar o chapéu para o Ancelotti em função disso”, prosseguiu, antes de concluir.
“São muitos anos de trabalho, imagina a relação dele até com o próprio presidente (Florentino Pérez) deve ser muito boa. Quando você quebra isso, realmente é um recomeço, um processo de adaptação de quem está chegando. Não é fácil. Claro que, se tiver uma saída do Ancelotti, vamos dizer que muda um pouco, mas acho que todo clube grande está acostumado com isso. Historicamente, vários clubes já passaram por isso, o próprio Real Madrid. Isso não é um grande problema para um grande clube. Agora, se ele sair do Real Madrid e quiser treinar a nossa seleção, eu acho que ele vai ser bem-vindo (risos)”.
Onde assistir ao El Clásico?
O El Clásico entre Barcelona e Real Madrid, pela 35ª rodada de LALIGA, tem transmissão ao vivo no Disney+, no domingo (11), às 11h15 (de Brasília).