Um documento datado de 24 de janeiro de 2025 parecia, enfim, dar tranquilidade a Ednaldo Rodrigues na luta que travava no Supremo Tribunal Federal (STF) para dar legitimidade ao seu mandato à frente da CBF. Assinado pela Federação Mineira de Futebol, pelo ex-presidente da confederação, Rogério Caboclo, e pelos vices da entidade Antônio Carlos Nunes, Fernando Sarney, Gustavo Feijó e Castellar Guimarães Neto, o acordo encerrava brigas judiciais que desencadeavam guerras de liminares e uma enxurrada de ameaças ao mandato do cartola baiano.
O documento concordava “encerrar todos os litígios existentes” entre os signatários e comprometia-se “a prevenir litígios futuros que digam respeito à legalidade” das Assembleias de 7 e 23 de março de 2022, que elegeram Ednaldo, “desistindo de todas as medidas judiciais e renunciando a quaisquer outros direitos ou pretensões que signifique ou possam significar um questionamento à legalidade das referidas Assembleias”.
Pouco mais de três meses depois, no entanto, o mesmo documento surge no centro de uma acusação que dá fim aos dias de paz e traz de volta a instabilidade que ronda a gestão de Ednaldo Rodrigues no comando do futebol brasileiro.
Um laudo assinado pela perita em documentoscopia Jacqueline Tirotti no último dia 4 de maio concluiu que “as assinaturas questionadas divergem do punho periciado de Antônio Carlos Nunes de Lima em características personalíssimas e imperceptíveis. Portanto, conclui pela impossibilidade de veiculação do punho referente a Antônio Carlos Nunes de Lima em relação às assinaturas que lhe competem contidas nos objetos desta perícia. Bem como, concluindo pela fragilidade do documento questionado, em razão da ausência de rubricas e fixação de folhas, facilitando a troca de folhas com a alteração do seu conteúdo”.
“Em relação à procuração, verifica-se que a procuração foi firmada em 19/01/2025, ou seja, cinco dias antes da assinatura do acordo datado de 24/01/2025, já conferindo ao procurador poderes específicos para pleitear a homologação judicial de um acordo ainda inexistente à época. Quanto às assinaturas atribuídas a Antônio Carlos Nunes de Lima, foram observados alguns elementos discriminadores da escrita relevantes na análise, sendo priorizadas as características constantes e imperceptíveis, uma vez que os lançamentos paradigmas não apresentavam características raras ou complexas. Dentre as divergências mencionadas, têm-se: ataques e remates; movimento diminuto; construções gráficas; posicionamentos de mínimos gráficos; etc.”, completou a perita, no documento de 28 páginas repleto de imagens que ilustram a suposta tentativa de falsificação de assinatura revelado pelo site “Léo Dias” e também acessado pelo ESPN.com.br.
A perícia foi realizada a pedido do vereador do Rio de Janeiro Marcos Dias Ferreira (Podemos-RJ). Ato contínuo, Marcos acionou o Ministério Público do Rio de Janeiro.
“Os fatos que agora são trazidos ao conhecimento deste MPRJ configuram elementos graves que justificam a pronta atuação deste ‘Parquet’ para que adote as medidas necessárias para apurar a regularidade da referida assinatura e, consequentemente, do acordo firmado”, solicitou o vereador carioca, ainda no mesmo dia 4 de maio, ao MP-RJ, titular da ação inicial.
Não bastasse a provocação do vereador do Podemos ao MP na esfera estadual do Rio de Janeiro, o caso ganhou apelo em Brasília no dia seguinte. Uma petição assinada pela deputada federal Daniela do Waguinho (União Brasil-RJ) e juntada às 20h48 do dia 5 de maio na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7580 que analisava o caso no STF solicitou que fosse “determinado o afastamento imediato do Sr. Ednaldo Rodrigues do cargo de Presidente da CBF, tendo em vista as evidências suficientes que apontam a ocorrência de simulação no âmbito do referido acordo e as graves denúncias de gestão temerária no âmbito da mais alta entidade do desporto nacional”.
A deputada federal e ex-ministra de Turismo do governo Lula fez o requerimento baseada naquilo que chamou de “fatos graves pertinentes ao acordo homologado nestes autos” (o documento assinado em 24 de janeiro de 2025).
Procurada desde a noite da última segunda-feira (5) pela reportagem, a CBF informou que não irá se pronunciar sobre o caso no momento.
Petição defende ‘simulação sem consentimento’ de Nunes
“Existem evidências suficientes que apontam a ocorrência de simulação no âmbito do referido acordo, o que, conforme jurisprudência consolidada, configura ofensa à ordem pública, passível de ser declarada até mesmo de ofício pelo juiz da causa, nos termos do art. 168, parágrafo único, do Código Civil de 2002. Importante ressaltar: a simulação como causa de nulidade absoluta de negócio jurídico simulado pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, inclusive de forma incidental, tal como se propõe por esta petição. 4. Conforme estabelece o art. 142 do CPC/2015, é dever do Juiz, de ofício, proferir decisão que impeça a simulação de negócio jurídico pelas partes, desde que haja circunstâncias suficientes a demonstrar a simulação”, defende o texto assinado pelo advogado de Daniela, Rafael Campos de Abreu.
A petição lembra ainda um antigo laudo assinado pelo chefe médico da CBF Jorge Pagura em 2023 que atestava a ausência de condições físicas e cognitivas de Antônio Carlos Nunes para “expor seu aceite a qualquer condição que lhe fosse apresentada”.
“Confirmada a limitação cognitiva do Sr. Antônio Nunes de Lima, estamos diante de duas hipóteses, a depender do estágio da enfermidade cognitiva: (1) o Sr. Antônio Nunes de Lima assinou o referido acordo desprovido da sua plena capacidade de compreensão e de discernimento dos termos pactuados ou; (2) o Sr. Antônio Nunes de Lima sequer assinou o referido documento, sendo a assinatura simulada por terceiro sem o consentimento do signatário”, diz a petição.
O item 23 da petição da deputada ainda ataca diretamente Ednaldo Rodrigues. “Perceba-se que a presença do Sr. Ednaldo Rodrigues na presidência da CBF é capaz de trazer suspeitas acerca da lisura das operações da entidade para toda a sociedade”, diz.
“São, portanto, deveras preocupantes as acusações que surgem com relação ao Sr. Ednaldo Rodrigues, o qual, além de se valer de pessoa que não goza da plena capacidade civil, pode também ter se utilizado de expedientes de adulteração de assinaturas. Por essas novas razões é que surge a necessidade de se reconsiderar a homologação do acordo anteriormente realizada, bem como de se rever a cautelar outrora concedida sob a premissa de que existiria o perigo de dano para suspender o andamento da ação civil pública número 0186960-66.2017.8.19.0001”, relatam os itens 26 e 27 do documento.
“Frente ao exposto, pugna-se para que: (i) seja revista a decisão que homologou o acordo acostado em peça n. 143, porquanto a assinatura do Sr. Antônio Carlos Nunes de Lima, além de carecer do correto consentimento, consta como sendo inautêntica; (ii) seja reconsiderada a decisão cautelar de peça n. 96, eis que ausentes os requisitos de urgência que a autorizaram e, diante das recentes notícias, a ocorrência verdadeiro perigo de dano reverso à toda sociedade brasileira; (iii) seja determinado o afastamento imediato do Sr. Ednaldo Rodrigues do cargo de Presidente da CBF, tendo em vista as evidências suficientes que apontam a ocorrência de simulação no âmbito do referido acordo e as graves denúncias de gestão temerária no âmbito da mais alta entidade do desporto nacional”, completa o texto em que o advogado Rafael Campos de Abreu, em nome de Daniela do Waguinho, pede o deferimento do STF.
Não bastasse o problema com as acusações de falsificação dos últimos dias, Ednaldo já vinha sentido a pressão nos bastidores desde a virada do mês. No último 1º de maio, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, incluiu na pauta do próximo dia 28 a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7580 – após pedido de vista no ministro Flávio Dino.
Isso ocorre uma vez que a homologação do acordo que vem tendo sua validade questionada não determina o fim do julgamento da ADI 7580 – que não discute somente as assembleias que levaram Ednaldo ao poder.
A ADI 7580 discutia a legitimidade do Ministério Público para firmar Termos de Ajustamento de Condutas (TACs) com entidades esportivas – com a CBF. Liminares anteriores suspendiam decisões judiciais que impediam a intervenção do MP, alegando que o Estado só pode interferir quando normas internas violarem a Constituição. Foi baseado nisso que uma liminar devolveu Ednaldo Rodrigues ao poder em janeiro de 2024.
A retomada do julgamento deste mérito já representava insegurança jurídica à CBF, uma vez que estava ameaçada por uma nova interpretação. Qualquer mudança nos votos do plenário do STF poderia tornar frágil a liminar que manteve Ednaldo na presidência antes do questionado acordo de janeiro de 2025 ser assinado.
Antes tranquilo pelo documento de pouco mais de três meses, o presidente da CBF agora aguarda as interpretações dos ministros do Supremo em meio à enxurrada de fatos novos e pedidos contundentes de importantes peças do tabuleiro político deste início de maio.