CBF: Hipocrisia e vítimas, mas nenhum remorso

“O que é, realmente, a máfia?”

A pergunta foi feita pelo juiz italiano Giovanni Falcone, cuja morte em um atentado deu origem à famosa “Operação Mãos Limpas”, durante o julgamento do chefe mafioso Frank Coppola. A resposta de Coppola é material feito sob medida para filmes a respeito de organizações criminosas e ajuda a entender como funcionam os ambientes onde reinam a influência e o dinheiro. O futebol, território de paixões exacerbadas e carreiras sedutoras também para os que atuam nos gabinetes, sempre foi um exemplo de que – nas palavras de outro Frank, Underwood – a estrada para o poder é pavimentada pela hipocrisia e pelas vítimas, mas nunca pelo remorso.

Não é permitido mencionar filmes sobre a máfia sem ovacionar a obra de outro Coppola, Francis Ford, que levou para as telas a célebre história da família Corleone, escrita por Mario Puzo. Como a vida muitas vezes supera a arte, nem mesmo Coppola foi capaz de imaginar algo como o que se deu na semana passada, quando, poucas horas depois que a Justiça do Rio de Janeiro afastou Ednaldo Rodrigues da cadeira de presidente da CBF, dezenove de seus fiéis eleitores publicaram uma carta pedindo “uma nova era” na confederação. Em 24 de março, Rodrigues havia sido eleito com os votos de todas as federações estaduais do país. O manifesto de quase duas dezenas de tabeliões do futebol brasileiro revelou que o poder abandona um chefe antes dele deixar de sê-lo.

Os presidentes de federações que desnudaram Rodrigues recebiam dele mesadas que alcançam centenas de milhares de reais, com autorização para uso pessoal de valores sem comprovação. Se esses cartolas, agraciados pornograficamente todos os meses pelas verbas da CBF, não quiseram esperar nem mesmo a manhã seguinte para abandonar o presidente, calcule a força do desejo de ver Ednaldo pelas costas. Por que votaram nele? Alguns por razões políticas, outros por razões inconfessáveis, e muitos, provavelmente, por medo de retaliações pessoais ou às suas regiões e clubes filiados. Na primeira oportunidade de agir em conjunto, dispensaram o rei e passaram a gestar a aparição de certo Samir Xaud como candidato único à sucessão. Xaud, cuja família domina a Federação Roraimense de Futebol (FRF) há quatro décadas, será aclamado no próximo domingo (25) ao poder na CBF.

Vinte clubes das Série A e B se manifestaram contra a escolha de um dirigente desconhecido para liderar o futebol brasileiro e prometem boicotar a eleição. Reclamam do sistema eleitoral, reclamam dos coirmãos que apoiam Xaud e daqueles que mudaram de opinião durante a noite. Querem a liga que já deveriam, entre todos, ter sido capazes de organizar. Dizem que “sem clubes não há futebol”, mas agem como sempre. A prova indiscutível da miopia do dirigente brasileiro médio é o fato de hoje haver duas ligas de clubes no país, e, consequentemente, nenhuma. Se não conseguem formar um bloco sólido de sócios do produto que lhes pertence, por que haveriam de concordar sobre quem deve ser o presidente da CBF? Certamente também discordarão sobre a verdade incômoda que, uma vez mais, está evidente: são os principais culpados pela dinastia coronelista que os comanda.

O sistema de eleição do presidente da CBF não foi feito para manter as coisas como sempre foram, e sim para manter as coisas nas mãos em que sempre estiveram. É uma diferença sutil, porém relevante. Voltando ao diálogo entre Coppola e Falcone, o gângster pensou por alguns minutos e respondeu: “Senhor juiz, atualmente são três os magistrados que desejam se converter em procuradores da república. Um deles é muito inteligente, o outro tem o apoio dos partidos que participam do governo e o terceiro é um imbecil. Quem o senhor acha que será eleito? O imbecil. Isso é a máfia”.

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