Uma quadra de saibro perfeita, em um clube luxuoso e com uma premiação milionária. Esse é o cenário em que Alcaraz disputará as quartas de final do ATP 500 de Barcelona contra o australiano Alex De MInaur, com transmissão em português pela ESPN no Disney+.
Porém, o universo do tênis é muito diverso, com realidades totalmente diferentes dependendo da posição do tenista no ranking e dos torneios que ele disputa. Muitos jogadores estão espalhados pelo planeta competindo em outros eventos, com premiações bem menores e enfrentando inúmeras dificuldades.
Um desses atletas que batalham longe dos holofotes é Paulo André Saraiva do Santos, brasileiro de 24 anos, que figura entre os 750 melhores tenistas do ranking em simples e no top 250 em duplas.
Paulo costuma disputar torneios do circuito Challenger, um nível abaixo da elite do tênis (ATPs), além de torneios Futures, organizados pela Federação Internacional de Tênis (ITF), que dão pontos para o ranking da ATP, mas oferecem premiações significativamente menores.
Nesse “Lado B” do tênis, os perrengues e sustos são mais frequentes. Este ano, Paulo estava no Challenger 50 de Brazzaville, no Congo, quando o torneio foi suspenso por alguns minutos devido a tiros disparados em uma rua próxima às quadras.
Mesmo com o susto, o brasileiro viveu uma de suas melhores semanas na carreira, alcançando as quartas de final em simples e sendo campeão em duplas.
“Foi uma semana muito importante para mim. Já fazia bastante tempo que eu vinha batendo na trave de um bom resultado. No ano passado, consegui minha primeira semifinal de um torneio de 15 mil dólares (Futures). Em Brazzaville, foi a primeira vez que fui tão longe em um Challenger. Então, fico feliz por esse resultado já que é uma reafirmação de que eu posso ir cada vez mais longe.”, disse em entrevista exclusiva para ESPN.
Para efeito de comparação, as quartas de final no Challenger do Congo renderam 8 pontos no ranking ATP para Paulo André. Só de chegar às quartas de Barcelona, Alcaraz já garantiu pelo menos 100 pontos, podendo somar até 500 se for campeão.
A premiação em dinheiro nos Challengers e Futures também é muito inferior à dos torneios ATP, mas os custos para viajar e competir são semelhantes e bastante altos.
Essa questão financeira, aliás, é um dos principais obstáculos que Paulo precisa superar para seguir sua carreira.
“Em muitas semanas eu acabo saindo no prejuízo, mas o que me mantém firme é o sonho. Nos torneios ITF (Futures), não temos hospedagem ou alimentação cobertas, então precisamos pagar tudo. Nesses eventos, preciso pelo menos chegar à final de duplas para não ficar no vermelho”, explicou o tenista brasileiro.
Essa conta está sempre na cabeça de Paulo, que tenta transformar a pressão em motivação.
“Minha família me apoia muito. Eles estão pagando um preço muito alto para que eu possa jogar. Eu venho aqui e tento dar o meu melhor. Tudo o que eu ganho vai para ajudar em casa.”
Mesmo com as dificuldades, o brasileiro sonha alto e tem claro em mente qual é o seu foco.
“Eu não treino para jogar duplas. Meu objetivo é totalmente voltado para as simples, mas as duplas sempre me ajudaram a custear as semanas de torneio e a me sentir mais dentro das competições. No ano passado, acabei me destacando bastante, fazendo muitas finais e conquistando vários títulos.”
Embora esteja focado em simples, Paulo conquistou notoriedade em duplas, com bons resultados no ranking e em títulos importantes. Apenas em 2024, ele venceu nove torneios ITF, marcando uma grande reviravolta em sua trajetória no tênis, que começou de maneira muito diferente da maioria dos profissionais..
Início tardio em projeto social
Se Alcaraz, De MInaur e outros tops começaram no tênis logo aos 4 ou 5 anos, Paulo Saraiva só foi pegar em uma raquete na adolescência.
“Eu conheci o projeto social no Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília aos nove anos de idade. A minha mãe me colocou nesse PROFESESP (Programa Forças no Esporte) porque a gente morava na cidade-satélite Varjão, e para poder ficar no contraturno da escola, assim eu acabaria não conhecendo as coisas ruins do lugar onde a gente cresceu.”
O que nasceu como uma ideia da mãe, diarista, de cuidar do filho e afastá-lo das ruas, se transformou no início de uma história de paixão.
“Ali, eu fui conhecer o tênis com treze anos de idade. No primeiro toque na raquete, foi meio que amor à primeira vista. Então, o professor chegou na primeira aula e falou que levava jeito. Comecei a jogar torneios de classe em Brasília, mas perdia muito. Quando joguei meu primeiro torneio da federação, fiz um jogo bom contra um dos melhores garotos do Brasil, e o meu professor do PROFESP conseguiu um centro de treinamento para mim, lá em Brasília.”
O professor era, na verdade, dois: Chico e Carlão, que viram potencial no garoto e o ajudaram a dar seus primeiros passos rumo ao profissional. Os dois seguem trabalhando com o tênis e já ajudaram diversos outros meninos a mudarem suas vidas através do esporte.
Aos poucos, Paulo André Saraiva foi disputando mais torneios da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), somando pontos sempre com muita dificuldade, afinal, seus adversários não estavam apenas na quadra.
Por conta da falta de condições financeiras, Paulo levava uma máquina de encordoar raquetes manual e encordoava as suas e as de outros jogadores para arrecadar dinheiro.
“Eu lembro que teve um torneio que eu tinha as passagens de ônibus, 200 reais que a minha mãe me deu, e tinha feito as contas de que eu precisava encordoar seis raquetes por dia. Então, eu ficava ali o dia inteiro procurando a galera para encordoar”, conta o brasiliense.
Mesmo assim, Paulo chegou a liderar o ranking nacional até 16 anos, em 2016, e figurou entre o8s primeiros na classificação até 18 anos nos anos seguintes.
Primeiro ponto no profissional e decepções
Apesar da ascensão no juvenil, Paulo Saraiva não se sentia completamente inserido no ambiente do tênis, onde muitos jovens começavam a jogar desde pequenos e com melhores condições financeiras.
Imaginar-se como um tenista profissional também era algo distante para o então adolescente de Varjão. Esse cenário começou a mudar em maio de 2018, quando Paulo venceu um duelo no ITF M15 de Brasília, conquistando seu primeiro ponto no ranking mundial da ATP, entre os profissionais.
“O momento em que marquei meu primeiro ponto foi quando senti: agora sou um jogador profissional. Mas, depois, vieram muitas frustrações pelo caminho”, relembra.
“Eu tive pessoas ao meu lado que não me ajudaram tanto. Você para e pensa: fui um menino que, aos 17 anos, já tinha meu primeiro ponto profissional e que começou a jogar com 13 anos. Aos 16, já era número 1 do Brasil. Tudo aconteceu muito rápido.”
Durante esse período, crucial para qualquer tenista na transição do juvenil para o profissional, Paulo enfrentou dificuldades financeiras para viajar e competir, o que o levou a disputar torneios que ofereciam apenas premiação financeira, sem contar pontos para o ranking profissional.
“Talvez, se eu tivesse tido pessoas melhores ao meu lado, pudesse ter escolhido melhor. Foram muitas frustrações até os 22 anos de idade.”
“Eu jogava torneios que não valiam pontos. Ganhava de muitos jogadores com ranking muito bom, mas isso não contribuía para minha classificação. Também dava aulas de tênis e pedia adiantamento, deixando 10 aulas agendadas. Já ajudei minha mãe com o bar e, depois, ia treinar à noite e virava o fim de semana como caixa de bar.”
Paulo e sua família recorreram a todos os meios possíveis para que ele pudesse continuar competindo, inclusive vendendo seus próprios equipamentos.
“Já cheguei a vender minhas raquetes para poder viajar. Eu tinha quatro, vendia duas e ficava com duas durante a viagem. Em 2022, viajei só com duas raquetes porque vendi as outras para jogar.”
Anjo da guarda
A vida e a carreira de Paulo Saraiva começaram a mudar quando ele conheceu seu “anjo da guarda.”
“Agora, pelo menos, tenho conseguido viajar para jogar os torneios e tenho tido a oportunidade, mesmo com a pressão de pagar viagem, hospedagem e alimentação com a premiação do torneio. Mesmo sem patrocínio, eu me sinto mais um profissional.”, conta Paulo que a princípio não ia revelar a identidade do seu apoiador, mas após certa insistência da reportagem, ele passou o contato de Luiz Fernando, empresário de Manaus no Amazonas que tem investe em clínicas populares.
“Eu criei o Amigos do Tênis Amazonense (ATA) e foi nessa que eu conheci o Paulo. Era um torneio amador, para todas as idades, mas tinha uma categoria PRO.”disse em entrevista exclusiva para a ESPN.
“A primeira edição do torneio foi em 2021 e, em 2022, ele me mandou um WhatsApp, contando a história dele e que esses torneios de grana, como são chamados as categorias PRO, ajudam muito a carreira dele. Então, paguei a passagem dele e, como ele já tinha alguns pontos ATP, ia dar um ‘tchan’ para o torneio. Então, o Paulo foi campeão.”
Esse primeiro contato levou Luiz Fernando a questionar Paulo porque ele jogava poucos torneios do circuito profissional, mesmo jogando muito tênis.
“Então, falei que iria ajudá-lo e o Paulo disse que as passagens aéreas eram a maior dificuldade, que era 80% do gasto.”
Então, no final de 2022, Luiz sugeriu que ajudaria Paulo com as passagens e pediu para que ele mandasse quais torneios queria participar. O tenista então, conseguiu furar os qualificatórios dos torneios e conseguiu mais alguns pontos no ranking da ATP.
Ao ver os resultados logo de cara, o empresário e fã de tênis propôs ajudar Paulo por um ano, novamente pagando as passagens, de toda a temporada de 2023. Se ele conseguisse jogar 20 torneios e subisse no ranking, iriam combinar de renovar para 2024.
“Eu vi que ele um cara muito legal, batalhador. Ele é muito fora da curva, disciplinado, treina direito e dorme direito. O Paulo faz tudo o que dá para ele fazer, só não faz mais porque não tem tanta ajuda e recursos.”
A ajuda deu certo. No início de 2022, Paulo era o nº 1947 de simples, acabou, com a ajuda de Luiz no final da temporada, acabar o ano já no top 1300. Na temporada seguinte, furou o top 1000 pela primeira vez.
“No final de todo ano, a gente tem uma super conversa. Eu até falo que queria ajudar mais além das passagens, porque eu até comprei raquetes novas para esta temporada. O Paulo fala que eu já ajudo ele 90% porque ele consegue pagar a alimentação e hospedagem com as premiações dos torneios.”
A parceria foi dando certo e, renovada para 2024, quando Paulo subiu quase mais 200 posições no ranking de simples e chegou ao top 250 nas duplas. Antes de conhecer Luiz, o tenista não figurava nem entre os 1500 melhores duplistas.
“Ele continua indo para o ATA, em Manaus, e divulga muito o torneio, chamando muita gente para jogar. Estou bem feliz de ter feito minha parte no Amazonas e ter ajudado o Paulo, que agora deu uma estourada. Eu não sei onde isso vai parar, nunca fiz essa ajuda pensando em algum tipo de retorno.”
“Eu queria até pagar mais, pagar um técnico para viajar com ele ou um fisioterapeuta, mas aí ficariam valores astronômicos. Ainda não tem como, mas espero que se ele virar um top 100, a gente vai dar um jeito para conseguir uma equipe. Ele não tem fisio, não tem nutricionista, não tem médico. Imagina se ele tivesse tudo, onde ele poderia parar?”, indaga Luiz.
No 1º semestre de 2022, Paulo disputou apenas um torneio ITF e, após conhecer Luiz, disputou 12 torneios só no 2º semestre. Em 2023, o primeiro ano oficial do combinado, foram 25 torneios, passando por diversos países como Argentina, Colômbia, Equador, Marrocos, Luxemburgo, Romênia, República Dominicana e Chile, além do Brasil.
Paulo não esconde a gratidão ao falar do apoiador discreto e explica como esse apoio ultrapassa a questão dos altos custos do circuito profissional.
“Ele é um anjo na minha vida e me ajuda não só financeiramente, mas mentalmente também. Hoje em dia, eu sou uma pessoa totalmente diferente de um ano e meio atrás, bem melhor. No quesito educação, estou prestando atenção em certos detalhes da rotina e cada vez mais tentando ser mais concentrado.”
A motivação em casa e o futuro
Mesmo com essa ajuda, Paulo ainda precisa se virar como pode para continuar investindo na sua carreira.
“De vez em quando, eu dou umas aulas em Brasília, mas tento não fazer mais isso porque para conseguir uma carreira boa, eu preciso focar em desde que eu acordo até o momento de dormir. Então, quando aperta um absurdo, eu dou umas duas aulinhas no final de semana para ajudar a levar o sustento para dentro de casa.”
Mesmo com todas essas adversidades, Paulo Saraiva não joga sozinho. Ele joga pela esposa e pelos três filhos.
“Eu viajei no ano passado e realmente jogar um ano de circuito profissional. Elas (esposa e mãe) me ajudam bastante no quesito. Desde o mental, de poder estar lá ajudando e não me fazer eu me sentir mal, não é? No sentido, de eu tô aqui tendo uma vida totalmente diferente da minha família, como melhor e tenho uma cama muito boa, enquanto elas batalhando.”
Essa preocupação e a pressão de levar o sustento para casa se transformam em uma grande motivação para sonhar ainda mais alto.
“Eu me vejo com um nível de tênis para jogar um nível bom, seja na simples ou nas duplas. Meu objetivo é alcançar um ranking de simples suficiente para entrar nos Challengers também. O meu nível é melhor do que minha classificação atual. Nas duplas, eu já tenho o ranking suficiente, mas quero combinar essas categorias..”